Os satélites artificiais Starlink.
Os satélites
artificiais de baixa orbita estão cumprindo a promessa, que no passado era pura
teoria, criando uma rede de internet de alta velocidade, conectando o mundo de
uma forma nunca vista, ligando qualquer ponto do planeta, totalmente diferente
de qualquer outro sistema.
No passado,
na década de 90, a Motorola criou uma empresa de satélites de baixa orbita
chamada Iridium, para concorrer com os sistemas celulares, que começavam a se
expandir pelo planeta, porém ainda com custos muito elevados, por exemplo, uma
única célula do sistema celular, custava em torno de 100 mil dólares.
Os
cientistas da Motorola, pensaram em construir um sistema satelital de baixa
orbita constituído de 75 satélites na orbita de 780 km de altura, sendo que os
terminais em terra custariam 3 mil dólares e cada minuto de uso, custaria 5
dólares, o que viabilizaria o projeto. Eles não previram, no entanto, é que o
custo dos sistemas celulares iria cair rapidamente com advento dos sistemas
digitais, já no fim da década de 90.
O sistema
entrou em falência com um prejuízo de 10 bilhões de dólares, e só não terminou
porque o governo americano o financiou para aplicações militares sigilosas.
Hoje, o projeto ainda existe com aplicações especificas na agroindústria, em
operações de mineração e atividades em que não existe cobertura de celulares.
Falando um
pouco dos sistemas celulares, por exemplo, são muito eficientes em centros
urbanos, onde a cobertura do sinal é feita com estações estrategicamente
posicionadas, para que o sinal de rádio fonia atenda todos os usuários do
sistema, entretanto devido ao alto custo destas estações e as dificuldades de
conectar umas às outras, as áreas remotas não recebem o investimento necessário
para que a cobertura seja possível.
Os
investimentos nas áreas remotas de baixa ocupação populacional e baixa circulação
de pessoas são escassos, porque o investimento tem um tempo muito longo de
retorno, e o investidor não consegue aprovação de verbas para investir nestas áreas,
onde o lucro pode nunca chegar, mesmo cumprindo as metas das organizações
reguladoras governamentais.
Mas os
satélites são investimentos menores que as redes celulares?
Claro que
não, mas as possibilidades dos sistemas de comunicação por satélites são
imensas, inclusive em aplicações militares, aeronáuticas e marítimas, pois pode
conectar qualquer ponto do planeta numa ligação direta, conectando a antena em
Terra, ou no oceno, direto ao satélite, que repete o sinal e envia para uma
estação terrestre de controle (um gateway) e ali segue para seu destino através
das redes terrestres em fibras ópticas.
Imagine
embarcações no meio do Oceano Pacífico com internet de alta velocidade, ou uma
expedição no deserto do Saara ou deserto de Gobi na Asia.
Existe ainda
e está sendo estudado uma rede de smartphones projetados para se conectar
diretamente ao satélite, claro que é necessário a visibilidade direta, este é o
obstáculo, mas tem solução, basta existir uma antena em cima do prédio que você
mora ou trabalha, que conecta teu aparelho celular por WiFi e a antena faz a
conexão com o satélite.
Os satélites
da Starlink, que são o objetivo deste artigo, se movem numa incrível velocidade
de 27.000 km/h e os dados são enviados da antena, na Terra, numa velocidade de
100 Mbit/s para o satélite, enquanto a antena e o satélite estão continuamente
se procurando para trocar feixes de dados.
As antenas ainda trocam de satélites a cada 4 minutos, porque além dos satélites estarem girando nesta incrível velocidade, a Terra também está girando e saem do campo de visão da antena, que busca o próximo satélite.
Aqui cabe um esclarecimento. Por que o satélite de orbita baixa precisa viajar nesta incrível velocidade?
Bem, aqui precisaríamos
das equações de Kepler e Newton, mas simplificando, quanto mais próximo da
Terra, um objeto, maior a força gravitacional, desta forma para compensar a
atração da Terra, se faz necessário criar uma velocidade maior do satélite para
manter a orbita estável, o mesmo ocorre com a estação espacial internacional,
que por estar numa orbita baixa, 400 km também viaja numa velocidade bem alta
em torno de 28.000km/h.
Bem, a antena da Starlink, que é do tamanho de
uma pizza e composta de várias camadas, que veremos mais adiante, consegue
gerar um feixe de dados, capaz de acertar o satélite no espaço a 550 km de
distância, viajando
nesta incrível velocidade de 27.000 km/h e pode transmitir até cinco filmes ou
programas de TV em HD.
Para
melhorar o entendimento, vamos comparar a antena terrestre da Starlink, com uma antena
parabólica de satélites geoestacionário, que surgiram em meados da década de 80
para a difusão de TV, e se espalharam pelo Brasil.
As antenas parabólicas usam um refletor parabólico, de 3 metros de diâmetro para focar as ondas eletromagnéticas, recebidas do satélite geoestacionário. As ondas batem no refletor parabólico são direcionadas para o LNA (amplificador de baixo ruido- Low noise amplifier em inglês), posicionado no foco da antena.
Estas ondas
eletromagnéticas partem do satélite, que orbitam a Terra a 36.000 km de distância da
superfície terrestre, em direção a uma extensa área na Terra, predefinida por
projeto, porém estas antenas só recebem o sinal, não podem enviar dados, ao contrário das antenas da Starlink, que
enviam dados para o satélite, que orbita a 550 km de distância da superfície da
Terra.
Desta forma,
embora os satélites de baixa orbita da Starlink estejam 60 vezes mais próximo da
Terra, do que os satélites geoestacionários, assim mesmo é uma distância
incrível para enviar sinais eletromagnéticos, para se ter uma ideia da distância,
se estivéssemos enviando um sinal eletromagnético na superfície da Terra,
precisaríamos de no mínimo 8 repetidoras de sinal para cobrir 550 km.
Desta forma os feixes eletromagnéticos devem ser focados e direcionados apontando um para o outro, diferente dos sinais de transmissão dos satélites geoestacionários, que são espalhados numa ampla região, do tamanho da América do Norte ou do Brasil.
Os satélites
da Starlink têm o tamanho de uma mesa de jantar de 8 lugares, e precisam estar
em orbita baixa para oferecer latência de até 20 ms, que é um valor crítico
para jogos on line na internet ou navegar na WEB de forma semelhante a que
temos na internet cabeada com fibras ópticas.
Como
resultado de estarem mais próximos da Terra, sua cobertura é bem menor, e desta forma são necessários uma constelação
de satélites em torno da Terra para cobrir toda a extensão do globo,
necessitando de aproximadamente 10.000
satélites, ou mais satélites em orbita, todos orbitando em velocidades incrivelmente altas,
em orbita baixa, fornecendo internet via satélite para todo o globo terrestre.
A antena
terrestre do usuário, possui motores e um cabo ethernet, que se conecta ao
roteador Wifi proprietário, da Starlink. Estes motores não movem continuamente
a antena para apontar diretamente para o satélite, os motores são usados apenas para
localizar o satélite mais próximo e depois várias antenas eletrônicas,
construídas na área plana da antena, irão acompanhar o satélite eletronicamente.
Este sistema
possui 1280 antenas eletrônicas, cada uma delas com diâmetro de 1 cm, que serão
responsáveis por acompanhar o satélite, sua trajetória e comutar para o próximo
satélite, que
surge no horizonte do campo de visão da antena.
O funcionamento
de uma única antena que compõe as 1280 antenas é o seguinte:
As 1280 antenas estão organizadas numa superfície semelhante a um favo de mel hexagonal, constituídos, de círculos de cobre, é são controladas por microchips numa matriz massiva, para enviar e receber ondas eletromagnéticas, que são anguladas para o satélite, que está orbitando a 550 km acima da superfície terrestre.
Cada antena
tem 5 camadas e difere totalmente das antenas comuns de radiofrequência usadas
em equipamentos de radiofonia. Estas antenas são construídas para trabalhar na
faixa de 12 GHz/s, (12 bilhões de vezes por segundo) com sinais sinusoidais com
83 Pico segundos de duração.
Como são antenas que transmitem e recebem sinais do satélite, e trabalham ora transmitindo e parte do tempo recebendo, precisam trabalhar em frequências diferentes, então foi adotado para receber 11,7 GigaHertz e para transmitir 13 GigaHertz e trabalham em polarização circular e existem circuitos para cancelar ondas eletromagnéticas de outras fontes, como o Sol, ondas de rádio, outros satélites, ou ainda torres de celulares e torres de micro ondas.
A adição de mais
antenas produz um feixe estreito de ondas em direção ao satélite e vice versa e a combinação
de 1280 antenas produz um feixe que é 3.500 vezes mais potente, que uma única
antena, isto é, devido a soma de vários vetores eletromagnéticos de cada antena,
que se combinam devido a interferência construtiva, aumentando o foco e potência
da onda, como podemos ver na figura com duas antenas onde os campos eletromagnéticos se
somam e se anulam em outras áreas, criando um fenômeno chamado de “frente de
onda”, que devido as 1280 antenas tem grande intensidade e direcionalidade (quase
como um raio laser), alcançando o espaço até o satélite.
Como o
satélite está em grande velocidade, ele passa muito rápido, em torno de 4
minutos de visibilidade para a antena em Terra, desta forma precisamos angular
este feixe para ele ser sempre direcionado para onde o satélite se encontra.
Esta angulação ou varredura poderia usar os motores da antena, mas com seu uso
contínuo, eles quebrariam em 1 mês ou menos e não são precisos o suficiente.
No sistema da Starlink foi usado o que se chama direcionamento em fase, ou deslocamento em fase, (do inglês Fase array). Ao enviar sinais para cada antena com diferente fase, mudando a direção da frente de onda, que sai da antena. Desta forma poderemos direcionar os feixes de onda angulados em 100º graus e com isso acompanhar o satélite no céu sem movimentar mecanicamente a antena.
O software da antena conhece a posição orbital do satélite, devido as coordenadas do GPS inserido na antena, assim o software calcula os ângulos exatos em 3D e o deslocamento de fase necessário para cada uma das 1280 antenas eletrônicas inseridas na antena Starlink, estes resultados calculados pelo software são enviados para os 20 microchips maiores, chamados de formadores de feixes e cada chips deste envia para 32 microchips menores chamados de front end e cada microchip destes controla cada um 2 antenas.
A cada poucos microssegundos estes cálculos são refeitos e enviados novamente para todos os microchips, a fim de direcionar perfeitamente o feixe para o satélite, desta forma dentro do campo de visão dos 100º graus, o feixe pode ser direcionado para qualquer ponto.
A antena,
ainda contém uma única matriz em fase, no entanto no satélite da Starlink tem 4
antenas de matriz em fase, 2 são usadas para comunicar com as várias antenas de
usuários, e outras 2 são usadas para a comunicação com os gateways terrestres,
onde o tráfego de internet é encaminhado para os sites de destino.
Como as
informações de dados são enviados entre a antena e o satélite?
Como já
sabemos toda a informação de voz, vídeo, comando etc. são convertidos em código
binários, tudo é transformado em “1” e” 0” (uns e zeros), desta forma a antena
Starlink através de seu roteador, recebe os dados binários, e transforma a
informação binaria em frequências eletromagnéticas, e vice versa, quando chegam
as ondas eletromagnéticas vindas do satélite, na antena, a mesma converte em
binário e envia para o roteador.
As ondas
eletromagnéticas senoidais de alta frequência,
não se parecem em nada com binário e menos ainda com a informação da TV,
do celular, ou do seu computador.
Então como
ocorre esta transformação?
A antena e o satélite enviam um sinal eletromagnético, formado por campos elétricos e magnéticos, que variam em amplitude e fase, tanto o sinal transmitido ou recebido e em seguida atribuem ou codificam valores binários de 6 bits para cada combinação diferente de amplitude e fase. Com 6 bits há 64 valores diferentes contendo fase e amplitude, isto é, 2 elevados a 5 potência.
Estes
valores podem ser mostrados linearmente conforme mostrado na figura ao lado, entretanto
podemos mostrá-los num gráfico que chamamos de diagrama de constelação. Vamos olhar para
o ponto 011101 e traçar uma linha reta do ponto de origem (nulo) até o ponto.
Esta distância é a amplitude do sinal, e o ângulo do eixo “x” positivo é a
fase.
Assim para que
a antena, envie esses 6 bits ela transmite uma amplitude de 59% e um
deslocamento de fase de 121º graus, em seguida o próximo valor a ser enviado
for 101000, o sinal muda para uma amplitude de 87% e um deslocamento de fase de 305º graus,
depois disso o transmissor envia outro sinal 110110, com
amplitude de 14% e um deslocamento de 45º graus .
Cada um
desses grupos de 6 bits é chamado de símbolos e eles duram cerca de 10
nanosegundos. A frequência do sinal é apenas uma
vez a cada 83 Pico segundos, isto é, 12 GHz. Como estamos lidando com sinais na
ordem de picosegundos e nanosegundos,
isto significa que podemos encaixar 90 milhões de grupos de 6 bits, ou
símbolos, resultando em 540 milhões de bits por segundo, no entanto, observe
que esta transferência de dados é compartilhada entre download e upload (isto é
o que desce do satélite, e o que é enviado da antena para o satélite).
Como esta
antena, não pode transmitir e receber dados ao mesmo tempo, cerca de 74
milisegundos de cada segundo são usados para enviar dados
da antena para o satélite, e 926 milisegundos são usados para enviar dados do
satélite para a antena.
Para reduzir
a latência, esses lotes de tempo de transmissão da antena para o satélite são distribuídos ao
longo de 1 segundo, em vez de agrupá-los todos juntos.
Bem, agora
que temos um fluxo de milhões de símbolos de 6 bits produzindo centenas de
megabits de dados por segundo, para transformá-los no seu programa de TV favorito foi usado
o codec jpeg de vídeo avançado no formato h264.
As ondas eletromagnéticas emitidas têm apenas cerca de 2,5
cm de distância uma das outras e entre a antena e o satélite há cerca de 22
milhões de comprimentos de onda, o que é claro não é possível representar nos
desenhos desta live, e ainda uma onda eletromagnética leva cerca de 2
milisegundos para sair da antena e atingir o satélite.
Se você chegou até aqui, gostaria de agradecer a atenção de todos, neste artigo e se você gostou deixe seu comentário, que será bem-vindo. Se tiver alguma pergunta deixe nos comentários que terei muito prazer em responder. Um abraço e até um próximo artigo.
Rio de Janeiro 25 de setembro de 2024.
Meu email - cabreira.cn@gmail.com
ResponderExcluirGostaria de parabenizar o autor, Cabreira, pela excelência do artigo sobre os satélites Starlink. A profundidade da análise, aliada à clareza da escrita, demonstra um domínio excepcional do tema e uma capacidade ímpar de comunicar ideias complexas de forma acessível. A escrita impecável torna a leitura não apenas informativa, mas também um prazer. O artigo de Cabreira sobre os satélites Starlink é uma verdadeira joia da divulgação científica. A forma como o autor consegue desvendar os meandros dessa tecnologia complexa, sem perder a objetividade e o rigor, é simplesmente admirável. A escrita, fluida e elegante, torna a leitura envolvente, transportando o leitor para um universo de descobertas e reflexões. A precisão na escolha das palavras e a construção de frases impecáveis demonstram um domínio absoluto da língua portuguesa. Parabéns, Cabreira, por este trabalho brilhante!
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