A Tecnologia das Ferrovias - Parte 2 - Locomotivas a Vapor
O Fascínio e a Revolução das Locomotivas a Vapor
Falando de locomotivas a vapor, estamos nos referindo a uma
máquina que literalmente tinha fogo em suas entranhas, ruidosa e pesada, embora
confiável, deslizava independente e sem medo. Não é de se estranhar que muitos
tenham sido seduzidos pelos seus encantos e pelo poder da locomotiva a vapor.
De fato, é uma das poucas máquinas que expressam ao mesmo tempo sentimentos e
personalidade.
Desde o início, provocou um profundo impacto na imaginação
das pessoas: algumas se mostraram hostis, outras aterrorizadas, mas a maioria a
considerou como algo positivo, e logo as pessoas atribuíram à locomotiva
afetuosos apelidos como “cavalo de ferro” e “maria fumaça”.
Em 1804, a máquina a vapor era um fato aceito e conhecido no
mundo industrial há quase um século. Alguns pioneiros com inventividade tinham
conseguido pilotar barcos com este tipo de motor. Mas no planeta, com exceção
de uma ou duas experiências com veículos terrestres, ele sempre havia ficado
fixo em algum lugar, acionando bombas ou outros equipamentos, nunca antes um
motor autopropulsionado tinha puxado uma carga em terra.
Os Primeiros Anos e a Evolução Técnica
A primeira locomotiva a vapor foi construída por Richard
Trevithick e operou em 21 de fevereiro de 1804. Este dispositivo inovador
conseguiu carregar uma carga de 10 toneladas de ferro, além de cinco vagões e
70 homens, a uma velocidade de 8 km/h. Essa demonstração quebrou barreiras e
provou que a propulsão a vapor era viável para o transporte terrestre.
Com a evolução técnica e a competição entre inventores, a
década de 1820 testemunhou avanços significativos. George Stephenson, um dos
nomes mais conhecidos na história das ferrovias, construiu a locomotiva Rocket
em 1829. Esta locomotiva não apenas venceu a competição de Rainhill Trials, mas
também estabeleceu novos padrões para a construção de locomotivas. A Rocket
podia alcançar velocidades de até 48 km/h, um feito impressionante para a
época.
Existiam cinco grandes escolas de desenho de locomotivas a
vapor: a britânica, onde teve sua origem, a americana, a francesa, a alemã e a
russa. Alguns especialistas acrescentariam outras, citando as características
únicas das locomotivas construídas na Áustria entre 1880 e 1920, ou as
peculiares locomotivas belgas. Mas as cinco escolas foram de longe, as mais
influentes dominando o desenho de motores em outros países e construindo novos
modelos até a década de 1950.
A influência russa pode ser notada especialmente na China, o
último construtor e usuário em grande escala de locomotivas a vapor. Muitos
países, como a Espanha, a Austrália. A antiga Checoslováquia, a África do Sul e
o Japão, tomaram emprestados aspectos de dois ou mais desses estilos, ao mesmo
tempo em que acrescentavam detalhes próprios.
Na evolução técnica das locomotivas a vapor muitos tipos de
caldeiras, cilindros de pressão, diâmetro de rodas motoras, quantidade de eixos
de tração e pressão das caldeiras foi testado e de acordo com a aplicação, país
e região do mundo, bem como a genialidade dos inventores e engenheiros.
Especificações
e características das Locomotivas a Vapor
É impossível calcular o número exato
de locomotivas a vapor produzidas no mundo, incluindo uma grande parte daquelas
construídas com fins industriais e agrícolas sobre vias estreitas, mas um
número provável seria aproximadamente 300 mil unidades.
Os primeiros modelos de
locomotivas a vapor adaptados para transportar carvão, das minas para os
centros de distribuição, suas capacidades de carga e projetos eram voltados
para estas atividades e não existia ainda uma normativa para as especificações
e suas características. Com o tempo além do nome dos modelos, o número e o tipo
foram codificados.
A primeira locomotiva levou 10
horas para levar uma carga de 53 toneladas de carvão ao longo do trajeto de 64
km que separa Darlington à Stockton na Inglaterra em 1825. Ela pesava 7
toneladas, tinha o nome de Locomotion, pressão da caldeira de 3,5 kg/cm2
e tipo 0-4-0 (que significa o primeiro 0 sem rodas livres na dianteira; 4
significa que tinha 4 rodas de tração; e o último 0 significa que não possui
rodas livres na trazeira) e tinha 2 pistões de tração de 240 x 600 mm e bitola
de 1435 mm, bitola esta que se tornaria no padrão internacional.
Durante muitos anos, a
locomotiva de 3 eixos de tração (tipo 0-6-0), foi o padrão de modelo britânico
de carga. Ainda que o modelo de 3 eixos tenha experimentado muitas mudanças,
antes que seu desenho final emergisse e que esse desenho se convertesse no
modelo básico.
Esta máquina apresentou um
primeiro exemplo de confiabilidade e de solidez no negócio dos trens lentos de
carga. As locomotivas com essa disposição de eixos continuaram sendo o produto
principal no transporte de cargas na Grã-Bretanha, na França, na Espanha, na
Índia entre outros países, durante o século 19, e muitas continuariam em
serviço ao longo do século 20.
Nas primeiras décadas da
indústria ferroviária, algo que chamava a atenção era a ausência das cabines de
condução para os maquinistas. Este e seus ajudantes, os foguistas, eram
comparados aos condutores das carruagens de cavalos, que não dispunham de
qualquer proteção, a não ser uma pesada indumentária impermeável. Somente
alguns anos depois foram construídas as primeiras locomotivas com cabines para
seus maquinistas e foguistas.
O combustível que estas
primeiras locomotivas britânicas era o carvão de coque, e tinha como objetivo
primordial diminuir a emissão de fumaça das locomotivas. Outro combustível
utilizado foi o pó de antracito, procedentes de despejos de minas de carvão. O
pó de antracito era mais econômico que o carvão normal, embora exigisse certos
cuidados em sua utilização e apresentava um fogo suave e uma queima leve.
Outros combustíveis foram
utilizados ao longo dos anos, nas locomotivas a vapor, tais como: Lenha, bagaço
de cana de açúcar, resíduos de algodão e sabugos de milho e em maior proporção
o petróleo a partir de 1850.
Em 1829, as primeiras
locomotivas que funcionaram na América do Norte foram importadas da Inglaterra.
Eram modelos mineiros relativamente primitivos, semelhante a primeira
locomotiva que funcionou na Inglaterra a” Locomotion”. A partir de 1831 as
novas companhias ferroviárias americanas puderam se beneficiar das muitas
melhorias que se produziram na Inglaterra.
Os modelos britânicos não se
ajustavam as condições norte americanas. As subsequentes adaptações, bem como o
rápido crescimento da demanda, geraram uma indústria interna de fabricação de
locomotivas que, no final da década de 1840, produzia cerca de 400 unidades por
ano, a partir de desenhos genuinamente americanos.
Com o tempo o trem cobria muitas
atividades humanas e foi necessário vagões especializados: como vagão do
correio, vagão tanque para transporte de combustíveis líquidos, vagões para
transporte de gado e vagões luxuosos para passageiros, assim como vagões mais
simples para pessoas comuns. Com as viagens noturnas foram criados vagões
dormitórios, bem como vagões restaurantes.
No início não exista a iluminação
elétrica, e no final da década de 1830 a iluminação consistia em tênues
lamparinas a óleo dentro de aberturas existentes no teto do vagão, também a calefação,
era outra preocupação, uma vez que na Europa os rigorosos invernos congelantes dificultavam
as viagens ferroviárias, muito embora o calor das caldeiras, que aquecia a
água, foi usado em aquecedores nas cabines luxuosas de passageiros.
Outra característica importante
das locomotivas a vapor, foi a utilização da pressão de caldeira de diversos
parâmetros, que no início tinham 3,5 kg/cm2, e com a evolução e aplicação das
locomotivas chegou a 35 kg/cm2. Estas características bem como o diâmetro das
rodas motoras, dimensões dos cilindros, e peso das locomotivas definiam o
esforço de tração que no início ficava em torno de 900 kg e em grandes
locomotivas com esforço de tração de 60.000 kg.
A primeira locomotiva a vapor que
se deslocou sobre trilhos pesava 9 toneladas e carregou 53 toneladas num
trajeto a 6,5 km/h, uma velocidade semelhante a um homem caminhando
energicamente, mas isto era o início de uma velocidade nunca antes sonhada pela
humanidade até aquele ano de 1804.
Poucos anos se passaram para que
as locomotivas a vapor atingissem velocidades acima dos 80 km/h, na Inglaterra.
O trem correio atingiu em1848, a velocidade de 112 km/h, entre Paddington até
Didcot na Inglaterra e foi a demanda pelo serviço postal que incrementou
notavelmente a velocidade dos trens mais rápidos em muitos países.
Com o tempo as locomotivas
ficaram mais pesadas, chegando a pesar 133 toneladas na virada do século 20,
algumas chegaram a 350 toneladas, entretanto a grande maioria ficava em torno
120 toneladas. Com este peso e tais velocidades alcançadas os freios adquiriram
uma importância capital.
No entanto, até 1870 as
locomotivas britânicas e americanas não dispunham de freios, os freios eram
rudimentares e vinham das carruagens, entretanto durante muito tempo
acreditou-se que os freios nas rodas motoras, desalinhariam os eixos motores e
as bielas. Com o tempo foi incorporado freios pneumáticos nas rodas motoras bem
como nos vagões de toda a composição.
Tão importante quanto as
locomotivas a vapor, são as linhas férreas que também evoluíram ao longo do
tempo, que tiveram em praticamente todos os países que adotaram as ferrovias,
bitolas variadas entre elas: bitola de 660 mm, bitola de 913 mm, bitola de
1,065 metros, bitola de 1,54 metros, bitola de 1,675 metros e bitola de 1,872
metros e bitola de 2,138 metros.
Estas várias bitolas
dificultavam a continuidade das viagens ferroviárias em diversos países, pois
obrigavam a baldeação de passageiros e dificultavam o transporte de cargas em
longa distância. As linhas férreas e seus sistemas de sinalização são tão importantes,
que num próximo artigo vou dedicar um capítulo especial para este tema.
Impacto Social e Econômico
A chegada das locomotivas a vapor transformou drasticamente
a sociedade e a economia. Ferrovias foram construídas em todo o mundo, conectando
cidades e regiões de maneira nunca antes vista. O tempo de viagem entre
localidades foi reduzido de dias para horas, facilitando o comércio, a migração
e a comunicação.
Imagine uma sociedade que estava acostumada com a velocidade
do cavalo, e das carruagens e diligências para suas viagens e comunicação
postal, começavam a experimentar velocidades de 40km/h e depois com a evolução
das locomotivas mais ágeis ter a sua disposição 80 km/h e no final do século 19
experimentar velocidades acima de 100 km/h e a mudança que isto causou na
humanidade.
As cidades começaram a se desenvolver em torno das estações
ferroviárias, impulsionando a urbanização. Mercadorias que antes demoravam
semanas para serem transportadas agora podiam chegar ao destino em questão de
dias, revolucionando o comércio e a distribuição de produtos. A agricultura
também foi beneficiada, pois os agricultores podiam enviar suas colheitas
rapidamente para mercados distantes, garantindo frescor e melhores preços.
Os Desafios e a Competição com Outras Tecnologias
Apesar de suas muitas vantagens, as locomotivas a vapor
enfrentaram desafios significativos. A manutenção das caldeiras e o
fornecimento constante de água e combustível eram tarefas árduas e exigiam uma
infraestrutura robusta. Além disso, as ferrovias tinham que ser construídas com
precisão para suportar o peso e a velocidade dessas máquinas poderosas.
Na segunda metade do século XIX, a tecnologia elétrica
começou a ganhar força. As locomotivas elétricas, embora mais caras
inicialmente, ofereciam uma alternativa mais limpa e eficiente. No início do
século XX, as locomotivas a diesel também começaram a surgir, oferecendo maior
autonomia e menos necessidade de manutenção.
A invenção dos motores a implosão interna proporcionou o
aparecimento de veículos automotores individuais, os automóveis, que
revolucionaram o transporte em rodovias que começaram a competir com as
ferrovias em viagens de curta duração.
Legado das Locomotivas a Vapor
Apesar da competição com outras tecnologias, o legado das
locomotivas a vapor é inegável. Elas não apenas revolucionaram o transporte e a
economia, mas também deixaram uma marca indelével na cultura popular. Filmes,
livros e músicas frequentemente celebram a era das locomotivas a vapor, e
modelos em miniatura e museus ferroviários continuam a atrair entusiastas de
todas as idades.
Hoje, embora as locomotivas a vapor tenham sido em grande
parte substituídas por suas contrapartes elétricas e a diesel, muitas ainda
operam em linhas turísticas e históricas, proporcionando uma janela para o
passado e permitindo que novas gerações experimentem o poder e a majestade
dessas máquinas icônicas.
Conclusão
As locomotivas a vapor representam um capítulo fundamental
na história da engenharia e da industrialização. Sua introdução e evolução
transformaram não apenas o transporte, mas também a maneira como vivemos,
trabalhamos e nos conectamos. Embora a era das locomotivas a vapor tenha
passado, seu impacto duradouro continua a ser sentido em todo o mundo. Elas são
um testemunho da engenhosidade humana e do desejo incessante de avançar e
inovar.
Obrigado se você chegou até aqui, deixe seu comentário que
terei muito prazer em ler e comentar. No próximo artigo vou falar um pouco das
locomotivas a diesel, que até aos dias de hoje ainda trabalham em ferrovias de
carga em países onde a eletrificação não está tão desenvolvida. Grande abraço e
até o próximo artigo.
É absolutamente fenomenal como Cabreira elevou o patamar da discussão sobre locomotivas em seu artigo parte 2! Dizer que é brilhante e genial é, de fato, um elogio à altura do que ele entregou.
ResponderExcluirA forma como Cabreira aborda o tema não é apenas informativa, mas profundamente envolvente, revelando um domínio técnico impecável aliado a uma capacidade rara de tornar complexidades acessíveis. É evidente que cada palavra foi escolhida com precisão, cada conceito explicado com clareza, e cada insight apresentado com uma originalidade que o diferencia. Este artigo não é apenas uma leitura; é uma experiência de aprendizado enriquecedora que solidifica a posição de Cabreira como uma referência incontestável no assunto. Parabéns por mais essa obra-prima que ilumina e inspira!